Domingo modorrento, chove aqui e acolá, para e volta a chover. Fui com Ana na Vila Vintém, onde mora nosso companheiro Costela, mestre de Capoeira. A noite está programado mais um festival da negritude e o Cambinda vem trazendo seus tambores e sua alegria.

As crianças, muitas, fazem a festa com a minha presença na vila. E eu faço a festa com elas, tirando fotografias… aos poucos dezenas de crianças me circundam pedindo para tirar foto. E tudo vira uma enorme brincadeira.

A Capoeira de Costela


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Os sentidos do maracatu e as atribuições de uma farsa burguesa.

Dama do paço com a boneca de Iansã

Dia de Reis, seis de janeiro. O Cambinda Estrela está no Pátio de São Pedro se preparando para uma apresentação. Eu, circulando, conversando e observando… Logo vejo uma fotógrafa, câmera poderosa no pescoço, verdadeira profissional! E em seguida, em busca da melhor imagem, todos pudemos observar a fotógrafa pedir  a Barriga, dama do paço da boneca de Iansã, que desse a boneca a uma menina também vestida de rosa… e clik…! Fico imaginando que tenha saído realmente uma bela fotografia… Mas é uma farsa! Uma farsa estética daqueles que não têm a mínima noção do que representa a boneca e os rituais que a envolvem. Uma imagens para ser consumida pela classe média em busca do belo e do exótico…

A calunga do maracatu representa os ancestrais, os eguns… e nem todos tem autorização para portar a boneca. Dai, chega alguém de fora, com um poderoso aparelho sedutor, e tira a calunda das mãos daquela que tem autoridade e autorização para segurá-la, para dar a outra… que fica melhor na foto. Barriga é feia?! Barriga é velha?! Barriga carrega no rosto os traços de uma vida interira de trabalho e sofrimento, de má nutrição e maus cuidados… Mas é ela, Barriga, a Dama do Paço, a única que tem, pelos que fazem o maracatu, pelos seus companheiros, legitimidade para segurar a calunga de Iansã!

Fiquei pensando… quando será que elas terão força para dizer à fotógrafa, que talvez não devesse fazer o que fez? Quando será que esses profissionais vão descobrir que os sentidos são diversos, plurais, e que essa imagem, esse instântaneo, carrega em si uma grande incomunicabilidade.


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Arrastão na Capilé e Av. Prof. José dos Anjos

Eita povo animado! O melhor arrastão que fizemos este ano! Todo mundo na rua, dançando e cantando… e Ivaldo inspirado, compondo toadas uma atrás da outra!

Roberto da Matta, mais uma vez, tem razão… é dos pobres que se arranca a alegria de viver. E desperta “inveja da alegria de viver, da vontade de viver, de uma energia e generosidade inesgotáveis que nem o trabalho em considições miseráveis consegue liquidar.”

E que condições de vida! Péssimas? O programa Prometropole há anos vem adiando as intervenções necessárias nos canais da região, que compõem a várzea do Beberibe. E vocês podem ver nas fotografias como as pessoas vivem nessas comunidades. Esgoto a céu aberto, lixo de montão, problemas sérios de saúde em decorrência. Mas vivem conscientes de que tem direitos e lutam por eles, no clube de mães, associações de bairos, através do maracatu e de outros grupos culturais.


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Cambinda Estrela: o maracatu de Roberto de Angola e Mário Miranda

Zona norte da cidade do Recife, cair da tarde de um dia de semana. Posso ver a enorme cabeleira alaranjada do sol se pondo lentamente, em meio aos prédios, enquanto me dirijo para a Avenida Norte, em companhia de Erasmo. Vamos ao Vasco da Gama, conhecer Roberto de Angola, que neste ano vai desfilar com o Cambinda Estrela. Logo que começamos a conversar perguntei: porque o Cambinda? Fiquei então sabendo que já tinha desfilado neste maracatu quando era muito jovem, tinha cerca de 15, 16 anos. Nessa época, lembra, o maracatu era de Mário Miranda. E recorda com uma certa nostalgia estampada no rosto, que fugia de casa depois que todos dormiam, para brincar o carnaval. Mário Miranda o ajudava a se paramentar, a vestir as bonitas fantasias de baiana, com as quais o famoso pai de santo ficou conhecido. Roberto fala de Mário Miranda com muito respeito e admiração, e afirma que todos em Casa Amarela o conheciam.
Maria Aparecida, como era conhecido, era mais do que um carnavalesco, “era o próprio carnaval”. Todos na avenida esperavam o maracatu de Mário Miranda passar, e para corresponder, ele caprichava nas fantasias, saia sempre com cestas enormes na cabeça. E dizia: eu sou assim, aparecida. “Ele realmente era feiticeiro” afirma Roberto de Angola.
Esperamos que este feitiço que o Cambinda também têm agregue não só Roberto de Angola mas muito mais gente do Vasco da Gama. Roberto lembra de uma toada composta por Mário:

Passei três meses internado

Disseram que foi catimbó

Mas eu sou do Moçambique

E o meu veneno é um só.

Foi comida, foi comida

que fez mal a Aparecida

Afinal como lembrou Roberto, Mário Miranda era excelente compositor de toadas, muitas das quais ainda hoje são cantadas nos terreiros. Depois de muito insistir cantou com uma voz muito bonita uma especial que Mário compôs para sua Oxum:

Como é bonito

A noite de lua cheia

O sol saindo

Eu aplaudindo

A natureza

Ora eu, eu

Mamãe Oxum

Ora eu eu

Oxum Maré

Ora eu eu

Mamãe Oxum

Como é bonita

a natureza.

O sol já tinha se posto, a noite caído, e foi muito bom ouvir as histórias de Roberto, e principalmente de saber que neste pequeno momento, uma comunhão misteriosa ocorreu, como se as memórias de Roberto pudessem nos trazer outros momentos do passado, em que Mário Miranda fazia do Cambinda Estrela um dos preferidos do povo na avenida.

Um pouco mais chegou o batuque e a festa começou. Bem vindo novamente, Roberto de Angola.

 

Na festa de ontem, que foi muito animada, Ivaldo compôs mais algumas toadas… talvez tomado pelo mesmo espírito indômito de Mário Miranda. Talvez os motivos sejam distintos, mas afinal, Mário Miranda era conhecido por não levar desaforo pra casa!

Sou do asfalto

sou da lama

gente rica não me engana

Cambinda tem orgulho

de ser do Vasco da Gama!


Postado em dezembro de 2006

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Confeccionando bombos

A gente vê os bombos na rua, com sua poderosa sonoridade… a gente os vê usados, surrados, marcados por seus tocadores… mas eles têm que ser feitos! E o saber? Precisa ser socializado! Que todos aprendam a fazer seus bombos, é para isso que trabalha o Cambinda Estrela. Para que seu seus batuqueiros aprendam, sempre!

Nossos bravos guerreiros, Caju, Roberto e Marconi estão confeccionando os bombos, e logo eles estarão nas ruas animando a todos.

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Festival da Negritude em Passarinho.

Passarinho faz parte dessa enorme região do vale do Beberibe. Pertencendo à cidade de Olinda, Passarinho tem cerca de nove mil habitantes que enfrentam problemas em tudo muito semelhantes a muitas outras comunidades que fazem o Cambinda Estrela. Falta saneamento básico, os morros todos apresentam barreiras que precisam de cuidados urgentes, sem falar nas enchentes que perturbam a vida dos moradores mal aponta no horizonte um sinal de chuva.

Mas em Passarinho eu pude ver que cidadania não é uma palavra bonita nos projetos dos partidos políticos, nem apenas um conceito utilizado por cientistas políticos. Cidadania pode ser sim uma bandeira de luta. Acho que é assim que pensa Lyndacy, esta mulher guerreira que contribui para que o Centro Comunitário seja um exemplo de luta pela cidadania, pelo reconhecimento de direitos básicos. Esse centro comunitário mantém aulas de reforço escolar para alunos de primeira a quarta série, cursos de bijouteria, de capoeira, de confecção de marionetes e de utilização de material reciclado. Além, evidentemente, do Grupo de Teatro Trilha do Ingá, que tem mais de três anos de existência no bairro.

No final desta tarde de domingo o Cambinda Estrela ajudou a organizar e participou do Festival da Negritude, que contou com um animado bingo, e com a presença da capoeira e maculelê de nosso amigo Costela, bem como com o batuque do Cambinda.
Lembramos que são ações assim que integram as comunidades, que aproximam as pessoas que lhes permite perceber que se os problemas são comuns, talvez as soluções sejam coletivas.

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Construindo o carnaval: povo organizado.

Roberto da Matta definitivamente tem razão! E todos os partidos e instituições políticas deveriam aprender com o povo um pouquinho sobre organização!

Enquanto esperava ontem a reunião começar – que como sempre estava atrasada porque Ivaldo tinha ido buscar alguém – fiquei sentada na frente da sede conversando com seu Roberto, um dos principais articuladores da comunidade dos Coelhos. Fiquei impressionada com a quantidade de coisas com que este homem está envolvido em sua comunidade: grupo de dança, boi, maracatu, rádio comunitária. E também fiquei impressionada com a dimensão organizativa que a cultura tem proporcionado às comunidades do Recife! Sem dúvida, é um fenômeno digno de nota, demonstrando a capacidade organizativa das pessoas, principalmente quando se trata de coisas das quais elas gostam, que tocam sua identidade. Ações simples que demonstram que a capacidade de mudar, de fazer acontecer… está lá!

Tenho o maior orgulho do que fazemos em Chão de Estrelas, nos Coelhos, no Burity, em Bola na Rede, Chagas Ferreira, Ilha do Joaneiro, Capilé e tantas outras comunidades onde o Cambinda atua. Eu tenho o maior orgulho quando vejo essas pessoas discutindo como fazer o carnaval, como ajudar suas comunidades, e ao mesmo tempo ajudar as outras, e dessa forma vão criando solidariedades tão fortes, laços tão profundos e tão amorosos. Acho que definitivamente o que criamos no Cambinda não é só uma nova forma de organizar o carnaval, em que a opinião das pessoas é respeitada, em que os foruns são permanentemente consultados, mas criamos no Cambinda e através do Cambinda uma rede de sociabilidades incrível! Ontem, quando ouvia o Sr. Roberto combinando com Ninho a ida de um outro grupo, de samba, de Chão de Estrela para os Coelhos, senti orgulho do que fazermos. Isto é Cambinda Estrela!

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Preparando o carnaval

Começaram os ensaios do Cambinda! Todos os sábados e domingos, a partir das seis da tarde neste mês de dezembro.
E também ontem fizemos uma reunião para definir o calendário de arrastões culturais nas comunidades que fazem o Cambinda. Este ano há uma ótima novidade: algumas comunidades vão organizar festivais em que grupos de capoeira, maculelê, teatro e o batuque se apresentarão visando a perfeita integração das comunidades no Cambinda e a formação de uma bela e forte rede de sociabilidade.

Estão todos convidados!!

Calendário de Ensaios, Arrastões, Festivais.

17/12 – Festival em Passarinho, com a participação do Cambinda, grupo de capoeira e maculelê
06/01 – Arrastão na Capilé
07/01 – Festival em Chagas Ferreira
13/01 – Arrastão nos Coelhos
14/01 – Festival no Burity
20/01 – Arrastão Passarinho
21/01 – Festival Chão de Estrelas
27/01 – Arrastão Ilha do Joaneiro
28/01 – Festival Capilé
03/02 – Arrastão no Burity
04/02 – Arrastão emChagas Ferreira
09/02- Arrastão em Chão de Estrelas

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Espetáculo ou festa: qual a diferença?

A dominação consciente da história pelos homens que a constroem, eis todo o projeto revolucionário. A história moderna, como toda a história passada, é o produto da práxis social, o resultado – inconsciente – de todas as atividades humanas. Vivendo a época de sua dominação totalitária, o capitalismo produziu aquela que é sua nova religião: o espetáculo . O espetáculo é a realização terrestre da ideologia. Nunca o mundo funcionou tão bem de cabeça pra baixo. E como a crítica da religião, a crítica do espetáculo é hoje a primeira condição para qualquer crítica.
(…) Transformar o mundo e mudar a vida são a única e a mesma coisa, as palavras de ordem inseparáveis que acompanharão a supressão de classes, a dissolução da sociedade presente, como reino da necessidade, o acesso enfim possível ao reino da liberdade. A crítica radical e a livre reconstrução de todas as condutas e valores impostos pela realidade alienada são seu programa máximo, e a criatividade liberada na construção de todos os momentos e eventos da vida é a única poesia que ele irá reconhecer, a poesia feita para todos, o início da festa revolucionária. As revoluções proletárias serão festas ou não serão nada, pois a vida que anunciam será ela própria criada sob o signo da festa. O jogo é a última racionalidade dessa festa, viver sem tempo morto e gozar, sem impedimento, são as únicas regras que ele poderá reconhecer.
“Manifesto” situacionista, 1966
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Maracatus, xangôs e juremas. A alegria de viver

O embate entre transformações históricas e mito permeia a história dos maracatus-nação, e não há respostas prontas para essa relação. Nunca é demais lembrar que, como já nos advertiu Marshall Sahlins, “a transformação de uma cultura é também um modo de sua reprodução”. A relação dos maracatus-nação com os cultos afro-descendentes seja o Xangô ou a Jurema é nodal na definição identitária dos grupos.

Assim como o maracatu é um ponto numa rede de sociabilidades, o xangô e a jurema são nós importantes desses cruzamentos. Uma festa de xangô, para além da relação com o sagrado, é também um momento importante de confraternização, de conhecer pessoas, de ser reconhecido ou encontrar amigos que não se via há tempos.

Mas acima de tudo, maracatus, xangôs e juremas são momentos em que a alegria de viver e a beleza são compartilhadas.

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