Os sentidos do maracatu e as atribuições de uma farsa burguesa.

Dama do paço com a boneca de Iansã

Dia de Reis, seis de janeiro. O Cambinda Estrela está no Pátio de São Pedro se preparando para uma apresentação. Eu, circulando, conversando e observando… Logo vejo uma fotógrafa, câmera poderosa no pescoço, verdadeira profissional! E em seguida, em busca da melhor imagem, todos pudemos observar a fotógrafa pedir  a Barriga, dama do paço da boneca de Iansã, que desse a boneca a uma menina também vestida de rosa… e clik…! Fico imaginando que tenha saído realmente uma bela fotografia… Mas é uma farsa! Uma farsa estética daqueles que não têm a mínima noção do que representa a boneca e os rituais que a envolvem. Uma imagens para ser consumida pela classe média em busca do belo e do exótico…

A calunga do maracatu representa os ancestrais, os eguns… e nem todos tem autorização para portar a boneca. Dai, chega alguém de fora, com um poderoso aparelho sedutor, e tira a calunda das mãos daquela que tem autoridade e autorização para segurá-la, para dar a outra… que fica melhor na foto. Barriga é feia?! Barriga é velha?! Barriga carrega no rosto os traços de uma vida interira de trabalho e sofrimento, de má nutrição e maus cuidados… Mas é ela, Barriga, a Dama do Paço, a única que tem, pelos que fazem o maracatu, pelos seus companheiros, legitimidade para segurar a calunga de Iansã!

Fiquei pensando… quando será que elas terão força para dizer à fotógrafa, que talvez não devesse fazer o que fez? Quando será que esses profissionais vão descobrir que os sentidos são diversos, plurais, e que essa imagem, esse instântaneo, carrega em si uma grande incomunicabilidade.


Sobre Isabel Guillen

Professora do Departamento de História da UFPE
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